Organismos marinhos gelatinosos dos Açores

Organismo gelatinoso
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É muito frequente os banhistas terem os seus banhos no mar interrompidos devido à presença de seres de aspecto gelatinoso. Alguns destes seres gelatinosos, são conhecidos por água viva (Pelagia noctiluca), caravela-portuguesa (Physalia physalis) e salpa (Salpa sp). São organismos que vivem no mar, na coluna de água ou na superfície, e podem apresentar diferentes formas, tamanhos e colorações. A sua presença é muito frequente no mar e praias dos Açores, principalmente durante a primavera e verão.

Pelagia noctiluca, conhecida por água-viva nos Açores, é das espécies de medusas mais estudadas. A sua campânula pode atingir 3 a 12 cm de diâmetro e apresentar uma coloração variável, entre malva, roxo, rosa, castanho claro e amarelo. O corpo é radial e simétrico e possuem uma única cavidade corporal, denominada de cavidade gastrovascular. Esta estrutura é uma cavidade digestiva com uma única abertura que é utilizada para a ingestão e excreção. Possuem quatro longos braços orais com bordos enrugados que compõem a região da alimentação primária, e oito longos tentáculos que partem das margens da sua campânula podendo atingir dois metros de comprimento.

Devido ao facto de não possuírem um sistema respiratório, excretor e circulatório, desenvolveram cnídeos, que são células que apresentam várias funções como captura de presas, defesa, locomoção e fixação. Os cnídeos estão presentes nos tentáculos, bem como na campânula (pouco comum nas medusas) e, quando estimulados, segregam toxinas. Para os humanos, a picada provoca dor, mas geralmente não é perigosa, não havendo casos de morte conhecidos.

Uma característica peculiar destes organismos é a sua bioluminescência (Fig. 1), ou seja, têm a capacidade de emitir uma luz de baixa intensidade, visível para os humanos durante a noite. A luz é emitida quando estimulada pela turbulência criada pelas ondas do mar ou pelo movimento das embarcações.

Esta espécie é oportunista, tendo sido observada a alimentar-se de uma grande variedade de pequenos organismos, como crustáceos planctónicos (ex: copépodes), larvas de moluscos, hidromedusas, ovos e larvas de peixes, bem como detritos suspensos na água e fitoplâncton microscópico. A variabilidade da dieta destes organismos sugere que são generalistas e não têm uma elevada seletividade de presas.

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Figura 1: Comparação entre água-viva no seu estado normal (esquerda) e água-viva com bioluminescência (direita).

A caravela-portuguesa (Physalia physalis), muitas vezes confundida com uma alforreca, é na realidade um sifonóforo. É um organismo colonial, composto por vários indivíduos geneticamente idênticos (zooides) e especializados em diferentes funções que, em conjunto, permitem que a colónia opere como um único organismo. Esta colónia é composta por 4 zooides e cada um é responsável por uma tarefa específica, como deslocação (pneumatóforo), reprodução (gonozoóides), alimentação (gastrozoóides) e captura de presas (dactilozoóides) (Fig. 2).

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Figura 2: Ilustração de Physalia physalis (esquerda) e foto tirada por Marc Tolosa (Biólogo Marinho da Picos de Aventura) durante uma viagem de whale watching (direita).

Esta espécie é facilmente reconhecida pelo seu flutuador cheio de gás em forma de vela, característica que lhe conferiu o seu nome, devido à sua semelhança com os navios de guerra português do século XVIII a navegar à vela. Esta estrutura flutuante pode apresentar uma coloração azul, violeta ou rosado e elevar-se até 15 cm acima da superfície da água. Atua como aparelho flutuador e como vela para a colónia, permitindo que se movimente a favor do vento, das ondas e das correntes marinhas. Em situações de perigo à superfície podem desinflar a vesícula de gás e submergir por breves momentos.

Submersos na água e suportados pelo pneumatóforo estão os seus longos filamentos de tentáculos que geralmente crescem até 10 metros de comprimento, mas podem atingir 30 metros de comprimento. Cada tentáculo apresenta pequenas estruturas filiformes enroladas, designadas por nematocistos, que contêm substâncias tóxicas e urticantes e são responsáveis pela transmissão e injeção de veneno através do contacto, paralisando e matando as suas presas, como peixes.

P. physalis é considerada a espécie mais venenosa do grupo dos organismos gelatinosos que existem em Portugal. Para os humanos, a picada destes organismos é extremamente dolorosa, mas raramente letal. A tartaruga-comum (Caretta caretta) é um dos poucos predadores da caravela-portuguesa, não sendo afetada pelo veneno pois apresenta uma pele demasiado espessa impedindo a penetração das células urticantes.

As salpas são tunicados pelágicos pertencentes à família Salpidae, que por sua vez estão incluídos no filo dos cordados (animais com cordão nervoso dorsal). Apesar da sua semelhança com as medusas, pela sua estrutura corporal simples e comportamento planctónico, estão filogeneticamente relacionados com os vertebrados (animais com espinha dorsal). Esta espécie apresenta um corpo gelatinoso semi-transparente de forma cilíndrica, podendo apresentar diferentes dimensões, de alguns milímetros até cerca de 10 cm.

Desloca-se por contração, bombeando água através do seu corpo gelatinoso, sendo considerado um dos exemplos mais eficientes de propulsão a jato do reino animal. As salpas distribuem-se pela maioria dos oceanos, ocorrendo em águas equatoriais, subtropicais, temperadas e frias, podendo exibir uma forma solitária ou em colónia (Fig. 3). A forma solitária, designada por oozoites, são pequenos animais em forma de barril que se reproduzem assexuadamente. As colónias, designadas por blastozooides, são constituídas por indivíduos agregados que permanecem interligados formando longas cadeias lineares.

São organismos filtradores não-seletivos, alimentando-se de uma grande variedade de partículas de diferentes tamanhos, desde bactérias a larvas, sendo fitoplâncton o seu principal alimento. Ao contrário das espécies mencionadas acima, as salpas não são nocivas para os seres humanos.

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Figura 3: Imagens de salpa exibindo a forma solitária (esquerda) e em colónia (direita).

Curiosidades

Nos Açores, foi criada uma sinalética em todas as praias vigiadas, com recurso a bandeiras específicas – amarela (alerta de águas-vivas; pouca quantidade) ou vermelha (perigo de águas-vivas; muita quantidade), para alertar os banhistas da presença destes organismos, prevenindo e minimizando o contacto com os mesmos (Fig. 4). De destacar que, mesmo indivíduos mortos de caravela-portuguesa que dão à costa ou partes dos seus tentáculos, são igualmente perigosos e o seu veneno pode permanecer potente durante horas ou mesmo dias após a morte do organismo ou da separação do tentáculo.

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Figura 4: Sinalética utilizada nas praias para alertar os banhistas da presença de criaturas gelatinosos.

Embora por vezes perigosa, são criaturas únicas e fascinantes, que tornam os nossos mares mais ricos em diversidade, desta forma é de bom senso não interferir, danificar ou retirar estes animais do seu meio natural. Acompanhe-nos nas nossas viagens de whale watching e venha descobrir e desvendar mais mistérios que o mar dos Açores tem para nos presentear!

Artigo de blog escrito pela nossa bióloga Inês Dias.

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Referências / References

Britannica, T. Editors of Encyclopaedia. Salp. (2023). Encyclopedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/animal/salp

Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). GelAvista – Espécies. (2021). Disponível em: https://gelavista.ipma.pt/especies/

Mariottini. G.L., Giacco. E. & Pane. L. The mauve stinger Pelagia noctiluca (Forsskål, 1775). Distribution, ecology, toxicity and epidemiology of stings. A review. (2008). Marine Drugs, 6(3):496-513. doi: 10.3390/md20080025.

Melissa Murray. Salps. The Australian Museum. 2019. Disponível em: https://australian.museum/learn/animals/sea-squirts/what-is-a-salp/

Munro. C., Vue, Z., Behringer, RR. & Dunn, CW. Morphology and development of the Portuguese man of war, Physalia physalis (2019). Scientific Report, 9(1):15522. doi: 10.1038/s41598-019-51842-1.

NOAA. What is a Portuguese Man o’ War? National Ocean Service website. (2023). Disponível em: https://oceanservice.noaa.gov/facts/portuguese-man-o-war.html

Salp. American Oceans (2024). Disponível em: https://www.americanoceans.org/species/what-are-salps/

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